domingo, 9 de dezembro de 2012

A história do Dr. Ari e da Mônica (...continuação de "O Pipoqueiro")



Depois do episódio com a andarilho os olhares curiosos se assentaram ainda mais sobre o pipoqueiro. Próprio do interior de Minas. Contudo, ninguém ousava a perguntar-lhe nada: lançavam algumas indiretas, “jogavam verde para colher maduro”, insinuavam, mas perguntar diretamente, jamais. Explico: é que o pipoqueiro tinha uma educação refinada – um verdadeiro gentleman, como diriam os mais modernos –, um indivíduo cuja educação parece ter adquirido de uma nobre linhagem, aprimorada em um tradicional colégio inglês. Tratava a todos com o mais absoluto respeito e deferência, até mesmo as crianças. 

Certa vez, um dos netos da D. Candinha, ainda criança miúda, agarrou-lhe os fios do bigode enquanto recebia a pipoca. Todos os presentes se constrangeram – a final, bigode de homem é coisa que não se brinca –, e a avó do moleque se preparava para lhe dar umas palmadinhas quando o bom pipoqueiro, firme mas sem perder a compostura, se dirigiu ao infante:

-  O Sr. queira, por obséquio, desvencilhar-me dos meus pêlos faciais eis que, do contrário, não terás mais pipoca.

É obvio que o menino não conseguiu entender tudo, mas, o principal, a parte da pipoca, foi suficiente para que interrompesse a brincadeira desagradável. Contudo, embora tenha conseguido a pipoca, da palmada de D. Candinha não se livrou.

Portanto, ninguém queria passar por deselegante diante de uma pessoa que até as crianças tratava de “senhor”. É aquela regra universal: dê-se ao respeito e será respeitado. A cidade, se quisesse, para esmiuçar o caso da andarilho, teria que lançar mãos de outros métodos que não o do interrogatório.

***
Naquela manhã, como de costume, o pipoqueiro saia de sua casa. Cumprimentou os velhinhos que se reuniam na praça e um jovem advogado que ali passava:

- Bom dia Dr. Ari !

- Bom dia Sr. Juca, animado para o festival?

- Já encomendei uma barraca nova. Este ano, além das pipocas, oferecerei doces e outras guloseimas. 

- Decerto a festa ficará mais bonita. Prometo que vou dar uma passadinha lá, a Mônica adora doces!

- Será um prazer recebê-los. Um bom trabalho!

- Para o senhor também.

Respeitado pela comunidade, antes de transpor a porta da Prefeitura  Dr. Ari não deixava de dar atenção à gente simples que encontrava pela praça. Ouvia os “causos” dos velhinhos, as reclamações das viúvas e dava conselhos jurídicos a quem precisasse. 

De todos os moradores da cidade, Dr. Ari era o único que parecia pouco se importar com o passado do pipoqueiro. É que, como ele, era morador novo da cidade. Havia chegado pouco depois do pipoqueiro, à cerca de 1 ano e 8 meses. A  bem da verdade, jamais imaginava que iria parar naquela cidade.

Arizinho, como era conhecido até o ultimo ano da faculdade, não sabia o que iria fazer da vida. Estudante de origem modesta, sempre arcou sozinho com seus estudos. Quando passou no vestibular, não sabia se comemorava a vitoria ou se lamentava pelas despesas que se apresentavam.  Mas o certo foi que, com um estágio aqui, outro emprego temporário acolá, Ari foi levando. 

Durante o curso, fez boas amizades, dentre elas Hideraldo, filho de família rica e poderosa daquela cidade. O que sobrava em recursos em Hideraldo, faltava-lhe em inteligência – ao contrário de Ari. Daí a combinação perfeita: o que sobejava em um, carecia em outro: era Hideraldo quem comprava os livros, mas era Ari quem melhor os compreendia para, no dia dos exames, dar uma “mãozinha” para o amigo. 

Mas o grande dilema de Ari era Mônica. Colega de turma, Mônica era noiva de um cara “bem de vida” que além de bancar-lhe os estudos agradava-lhe com os melhores presentes. Mas Mônica, ao contrario de muitas outras garotas em sua situação, era inteligente e esforçada. Gostava de conversar com Ari e com ele se abria.

Case-se com uma mulher com quem você goste de conversar”, reverberava na mente os conselhos do avô de Ari. E o que Ari mais gostava era dos momentos que passava junto à Mônica: sabe aqueles instantes em que o tempo parece não passar, que os segundos batem no ritmo de nossos corações... era assim que Ari se sentia quando estava com Mônica.

Ari sabia que era impossível a amizade entre um homem e uma mulher, a não ser que um visse o outro como se fosse do mesmo gênero – o que não era o caso. Ari, por incrível que pareça, tímido, tinha que tomar a iniciativa. Mas como, se a moça era comprometida?

Pois bem, o certo que o desencadear da vida acabou lhe ajudando. Seu amigo Hideraldo tinha um emprego público garantido no interior – fazia parte do projeto político de seus pais. Contudo, Hideraldo tinha se tornado urbano de mis e acabou por indicar Ari para o ofício. E como contei, Ari não sabia muito bem o que fazer após a formatura...
 E, meio de brincadeira, em uma das conversas que teve com Mônica  propôs à jovem: “Que tal ganharmos a vida no interior. Lá não tem muito advogado e a demanda por ações envolvendo imóveis e previdência sobram. Lado outro, aqui há excesso de profissionais e somos apenas mais alguém na multidão. Naquela cidade não: você será a Dra. Mônica e eu o Dr. Ari, pessoas com o mesmo status do delegado, prefeito, padre etc”.

Por mais absurdo que pareça (até mesmo para Ari e para mim), Mônica entendeu por bem largar tudo e tentar a vida no interior. Seus reais motivos, jamais saberei declinar. É que como homem – e mau escritor que sou –, consigo enxergar as razões de Ari mas não as da moça, afinal de contas “não sou nenhum Chico Buarque”.

Pois bem, o fato é que quando foram para aquela cidade não tinham nada. Na esfera profissional, Ari tinha um modesto emprego público e Mônica uma expectativa; na pessoal, um projeto de vida em comum...um ato de liberdade. 

Mas o mais engraçado foi a primeira noite em que passaram juntos. Imaginem um casal que jamais havia se tocado, sozinhos, em um casarão daqueles (...)



The long and winding road, that leads to your door. Will never disappear. I've seen that road before. It always leads me here, lead me to your door … (The Beatles - The Long And Winding Road).


( … crônica “O Pipoqueiro”…continua…)

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