

- O Sr. queira, por
obséquio, desvencilhar-me dos meus pêlos faciais eis que, do contrário, não
terás mais pipoca.
É obvio que o menino não conseguiu entender tudo, mas, o
principal, a parte da pipoca, foi suficiente para que interrompesse a
brincadeira desagradável. Contudo, embora tenha conseguido a pipoca, da palmada
de D. Candinha não se livrou.
Portanto, ninguém queria passar por deselegante diante de
uma pessoa que até as crianças tratava de “senhor”. É aquela regra universal:
dê-se ao respeito e será respeitado. A cidade, se quisesse, para esmiuçar o
caso da andarilho, teria que lançar mãos de outros métodos que não o do
interrogatório.
***

- Bom dia Dr. Ari !
- Bom dia Sr. Juca, animado para o festival?
- Já encomendei uma barraca nova. Este ano, além das
pipocas, oferecerei doces e outras guloseimas.
- Decerto a festa ficará mais bonita. Prometo que vou dar
uma passadinha lá, a Mônica adora doces!
- Será um prazer recebê-los. Um bom trabalho!
- Para o senhor também.
Respeitado pela comunidade, antes de transpor a porta da Prefeitura Dr. Ari não deixava de dar atenção à gente simples que encontrava pela praça.
Ouvia os “causos” dos velhinhos, as reclamações das viúvas e dava conselhos
jurídicos a quem precisasse.
De todos os moradores da cidade, Dr. Ari era o único que
parecia pouco se importar com o passado do pipoqueiro. É que, como ele, era
morador novo da cidade. Havia chegado pouco depois do pipoqueiro, à cerca de 1
ano e 8 meses. A bem da verdade, jamais
imaginava que iria parar naquela cidade.
Arizinho, como era conhecido até o ultimo ano da faculdade, não sabia o que iria fazer da vida. Estudante de origem modesta, sempre arcou
sozinho com seus estudos. Quando passou no vestibular, não sabia se comemorava a
vitoria ou se lamentava pelas despesas que se apresentavam. Mas o certo foi que, com um estágio aqui, outro emprego temporário acolá, Ari foi levando.
Durante o curso, fez boas amizades, dentre elas Hideraldo,
filho de família rica e poderosa daquela cidade. O que sobrava em recursos em
Hideraldo, faltava-lhe em inteligência – ao contrário de Ari. Daí a combinação
perfeita: o que sobejava em um, carecia em outro: era Hideraldo quem comprava
os livros, mas era Ari quem melhor os compreendia para, no dia dos exames, dar
uma “mãozinha” para o amigo.

“Case-se com uma
mulher com quem você goste de conversar”, reverberava na mente os conselhos
do avô de Ari. E o que Ari mais gostava era dos momentos que passava junto à Mônica:
sabe aqueles instantes em que o tempo parece não passar, que os segundos batem
no ritmo de nossos corações... era assim que Ari se sentia quando estava com Mônica.
Ari sabia que era impossível a amizade entre um homem e uma
mulher, a não ser que um visse o outro como se fosse do mesmo gênero – o que
não era o caso. Ari, por incrível que pareça, tímido, tinha que tomar a
iniciativa. Mas como, se a moça era comprometida?
Pois bem, o certo que o desencadear da vida acabou lhe
ajudando. Seu amigo Hideraldo tinha um
emprego público garantido no interior – fazia parte do projeto político de seus
pais. Contudo, Hideraldo tinha se tornado urbano de mis e acabou por indicar Ari
para o ofício. E como contei, Ari não sabia muito bem o que fazer após a
formatura...
E, meio de
brincadeira, em uma das conversas que teve com Mônica propôs à jovem: “Que tal ganharmos a vida no interior. Lá não
tem muito advogado e a demanda por ações envolvendo imóveis e previdência
sobram. Lado outro, aqui há excesso de profissionais e somos apenas mais alguém
na multidão. Naquela cidade não: você será a Dra. Mônica e eu o Dr. Ari, pessoas
com o mesmo status do delegado, prefeito, padre etc”.
Por mais absurdo que pareça (até mesmo para Ari e para mim),
Mônica entendeu por bem largar tudo e tentar a vida no interior. Seus reais
motivos, jamais saberei declinar. É que como homem – e mau escritor que sou –,
consigo enxergar as razões de Ari mas não as da moça, afinal de contas “não sou nenhum Chico Buarque”.
Pois bem, o fato é que quando foram para aquela cidade não tinham
nada. Na esfera profissional, Ari tinha um modesto emprego público e Mônica uma
expectativa; na pessoal, um projeto de vida em comum...um ato de liberdade.
Mas o mais engraçado foi a primeira noite em que passaram
juntos. Imaginem um casal que jamais
havia se tocado, sozinhos, em um casarão daqueles (...)
The long and winding road, that leads to your door. Will never disappear. I've seen that road before. It always leads me here, lead me to your door … (The Beatles - The Long And Winding Road).
( … crônica “O Pipoqueiro”…continua…)
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