Numa destas cidade do interior, que quase não existem mais, havia um pipoqueiro, por nome Sr. Juca, que fazia ponto na única praça em frente a igreja. Era um sujeito alto, magro, de bigodes e cabelos levemente embranquecidos, que oferecia aos moradores, além da saborosa pipoca, um bom papo.
Era comum, pouco antes de terminar a missa, todos sentirem o cheiro da pipoca doce invadir a nave central da Matriz, deixando as crianças afoitas para provar da iguaria. O padre, certa feita, quis reclamar com o pipoqueiro pois, nestas ocasiões, se necessário, não conseguiria prolongar o sermão. Contudo, logo desistira da idéia, eis que as pipocas lhe eram dadas gratuitamente.
O sujeito fazia parte do cenário da cidade, e quem por ali passasse imaginaria que crescera vendendo pipocas, ofício que certamente teria herdado de seu pai. Mas não era verdade. Sr. Juca apareceu na cidade há pouco tempo, não mais que dois anos. Ninguém sabia ao certo de onde vinha. Perguntado, se restringia a informar que era aposentado e que trabalhou em um setor burocrático de um órgão público. Apesar de bom de prosa, era discreto em relação a certos temas, sendo que sua vida pregressa era desconhecida pelos habitantes daquele local.
O pipoqueiro mantinha hábitos estranhos. Pelo menos duas vezes por mês, se ausentava da cidade. Nesta ocasiões, vestia-se com um refinado terno, sapatos engraxadíssimos, bigodes aparados, cabelos rigorosamente penteados. Pela manhã, bem cedo, um táxi, sempre conduzido pelo mesmo motorista, Sr. Alex, o aguardava em frente à porta de casa. Em seguida saia, cumprimentava os senhores que já naquela hora se faziam reunir na praça, entrava no veículo e pé na estrada.
- Lá vai encontrar com a namorada! Dizia um velhinho.
- Ê vida boa! Exclamava o outro.
Sr. Juca voltava lá pelas tantas da noite e, não fosse a curiosidade dos moradores do interior, sua chegada passaria incólume.
As especulações sobre a vida do pipoqueiro eram muitas: fazendeiro, milionário excêntrico, policial disfarçado, repórter, agente secreto, empresário, fugitivo etc.
E para apimentar ainda mais as discussões, certa feita chegou na cidade uma andarilho, velhinha, com notáveis problemas psicológicos, maltrapilha e com aparência de faminta. Os moradores, sempre solidários, lhe deram comida, um banho, roupas novas e um abrigo temporário – na casa de D. Candinha. No entanto, embora quisessem ajudar mais, não puderam: a andarilho vivia presa em seu mundinho e não se comunicava. Aparentava ser surda. E para piorar, tinha um grave defeito: era inquieta. Se deixassem o portão aberto ou se descuidassem dela, saía sem rumo certo, sempre na mesma marcha, e desaparecia. Posteriormente se soube que foi assim, por um simples descuido, que a andarilho, à época jovem, veio a andarilhar, deixando para trás a terra natal, os pais, irmãos e demais parentes.
Pois bem, levaram-na para passear na cidade e, naturalmente, para provar a famosa pipoca do Sr. Juca. Lá chegando, a pobre coitada, com uma cara de espanto, postou-se boquiaberta diante do pipoqueiro. E com aquela segurança e certeza que somente os loucos podem ter, foi incisiva:
- É o Vieira !
Imediatamente todos olharam para o pipoqueiro aguardando alguma revelação surpreendente. A curiosidade foi tanta que poucos notaram que aquelas eram as primeiras palavras pronunciadas pela velhinha.
No entanto, com a mesma calma que lhe é peculiar, o sujeito encheu um saquinho com pipoca e com um meio sorriso no rosto, ofertou-a a viajante:
- Hum! Eu não sou o Vieira, mas agradaria muito se a senhora aceitasse uma pipoquinha.
Mais que depressa a andarilha se pôs a comer o delicioso petisco, deixando todos os presentes com uma grande interrogação.
... continua ....
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